Publicado em 28 de Novembro de 2016 às 15:16 em:
Nesta nova série de artigos ajudaremos você a entender um pouco mais sobre os exames que realizamos aqui na Genomika Diagnósticos e a ciência por trás deles. Apresentamos o Doutor Genômiko, nosso médico especialista em genética que passará a tirar dúvidas e apresentar artigos sobre diversos temas relacionados aos exames genéticos.
Envie suas dúvidas e sugestões para o Dr. Genômiko em nossa seção de comentários que ele te responderá em breve!
Nesse primeiro artigo Dr Genômiko irá responder como a citogenética pode ajudar você a entender o autismo, uma das doenças mais complexas em estudo na atualidade na especialidade de neurologia.
Os Transtornos do Espectro Autista (TEA) são distúrbios que se enquadram no grande grupo de características de herança multifatorial ou complexa (que são causadas pela associação de fatores genéticos e ambientais para manifestação da característica). Diversas evidências epidemiológicas apoiam o forte papel da genética na etiologia do autismo, enquadrando-o na categoria de distúrbios de genética complexa mais herdáveis no campo da medicina neuropsiquiátrica. Entretanto, apesar de sua alta herdabilidade (estimada em maior que 90%), os TEA possuem etiologia muito heterogênea, envolvendo muitos genes e regiões cromossômicas associados à sua apresentação.
A importância da avaliação citogenética (estudo dos cromossomos), seja ela convencional ou molecular, para os casos de TEA baseia-se na identificação e uniformização da provável causa genética específica para cada paciente avaliado. O diagnóstico genético definitivo contribui de diversas maneiras para o paciente e sua família. Dependendo da etiologia (causa) genética caracterizada, riscos clínicos podem ser identificados permitindo condutas preventivas para possíveis morbidades a estes associados. Além disto, o aconselhamento genético e o cálculo de risco de recorrência específicos podem ser fornecidos aos membros da família. Sem a identificação da causa genética podemos apenas nos basear no risco de recorrência empírico para os TEA, onde existe chance de 4% de um segundo filho afetado quando a criança afetada é do sexo feminino, e chance de 7% se a criança afetada é do sexo masculino. Quando o segundo filho também apresenta autismo o risco de recorrência empírico é de 25 até 50% (com média de recorrência estimada em estudos de 30%). Os TEA são de 3 a 4 vezes mais comuns em homens e considerando todo o espectro dos transtornos autistas estima-se que sua frequência seja de 10-60 a cada 10.000 indivíduos.
O estudo cromossômico é notadamente o componente diagnóstico com maior desempenho informativo na avaliação de pacientes com TEA. Variações do número de cópias (CNV – copy number variations) são constantemente relatadas em pacientes com TEA e diversas deleções e/ou duplicações são associadas ao fenótipo TEA. Algumas das regiões mais frequentemente associadas ao TEA são relacionadas na tabela 1 abaixo.
Algumas alterações podem ser detectadas por técnicas citogenéticas convencionais, por exemplo, o cariótipo por bandeamento G. Entretanto, a maior parte das alterações são submicroscópicas (não visíveis na análise por microscopia ótica, como no caso do bandeamento G), sendo apenas detectáveis pelas técnicas citogenéticas moleculares de maior resolução, como os microarranjos cromossômicos (CGH array e SNP array) que fazem uma varredura por oscilações/desbalanços cromossômicos (deleções ou perdas cromossômicas e/ou duplicações ou ganhos cromossômicos) em todo genoma, ou nos casos de suspeita de região causadora específica pode também ser utilizada a técnica de hibridação in situ fluorescente (FISH).
Atualmente, os microarranjos cromossômicos (CGH array e SNP array), são as ferramentas de avaliação genética com maior desempenho de detecção de alterações submicroscópicas por todo genoma nos casos de TEA. As técnicas convencionais conseguem detectar alterações cromossômicas em aproximadamente 3% dos casos de TEA enquanto os microarranjos cromossômicos de alta resolução são capazes de elevar essa detecção para 8-21% nos casos de TEA e se considerados os casos TEA complexos (onde o transtorno autista está associado a outros achados clínicos como microcefalia, convulsões, anomalias congênitas ou outras dismorfias) esse percentual chega a 30% dos casos. Mais de uma centena de alterações genômicas diferentes já foram reportadas em pacientes com TEA, muitas delas com forte associação ao fenótipo autista (algumas destas são listadas na tabela 1).
Desde 2008 é preconizado pelo Colégio Americano de Genética e Genômica Médica (ACMG) que os microarranjos cromossômicos são as metodologias padrão ouro na investigação dos casos de transtornos do espectro autista, atraso do desenvolvimento, deficiência intelectual idiopática e anomalias congênitas. Atualmente, isto está em acordo com a o consenso da comunidade científica e biomédica de que os microarranjos cromossômicos são os testes de primeira linha na investigação de deficiências/atrasos do desenvolvimento e anomalias congênitas.
Espero que tenham gostado! Aguardem a nossa próxima resposta!
Referências:
Bolton PF, Carcani-Rathwell I, Hutton J, Goode S, Howlin P, Rutter M. Epilepsy in autism: features and correlates. The British Journal of Psychiatry. Apr 2011, 198 (4) 289-294.
Caglayan AO. Genetic causes of syndromic and non-syndromic autism. Dev Med Child Neurol 2010;52:130–138.
Geschwind DH. Genetics of autism spectrum disorders. Trends Cogn Sci (Regul Ed) 2011;15:409–416.
Martin CL, Ledbetter DH. Autism and cytogenetic abnormalities: solving autism one chromosome at a time. Curr Psychiatry Rep. 2007 Apr;9(2):141-7.
Miller DT, Adam MP, Aradhya S, et al. Consensus statement: chromosomal microarray is a first-tier clinical diagnostic test for individuals with developmental disabilities or congenital anomalies. Am J Hum Genet 2010;86:749–764.
Mefford HC, Batshaw ML, Hoffman EP. Genomics, intellectual disability, and autism. N Engl J Med 2012;366:733–743.